A iminente aprovação do Projeto de Lei 1.087/2025, que propõe a tributação de dividendos com base no lucro contábil a partir de 1º de janeiro de 2026, tem gerado intensa mobilização no cenário empresarial. Dentre as mais variadas críticas e elogios à medida, um ponto chama a atenção. Trata-se da falta de previsão de que os lucros acumulados de anos anteriores não serão tributados quando distribuídos após 1º de janeiro de 2026. A grande questão que se levanta é se os lucros acumulados até 31 de dezembro de 2025 estariam sujeitos a esse novo imposto no momento de sua distribuição aos sócios ou acionistas. Para desvendar essa problemática, é fundamental examinar os princípios constitucionais tributários, bem como revisitar conceitos contábeis essenciais e analisar os cenários e as implicações práticas para o ambiente de negócios.
Para resolver essa problemática é importante analisar a questão sob o enfoque constitucional, além dos seus impactos na economia.
Embora a proposta de vigência a partir de 1º de janeiro de 2026 respeite, em teoria, os princípios da anterioridade e da legalidade, o ponto nodal do debate reside na irretroatividade da lei tributária. Este princípio, também de natureza constitucional, proíbe que a lei tributária se aplique a fatos geradores ocorridos antes de sua vigência. E é justamente aqui que se configura uma profunda insegurança jurídica: ao se cogitar a tributação de um lucro que foi gerado em anos anteriores, sob a vigência da lei antiga que previa sua isenção na distribuição, está-se, de fato, aplicando a lei nova a um fato passado. O lucro foi constituído quando a regra era clara sobre a não tributação da sua futura distribuição, criando-se uma legítima expectativa no empresário e investidor. A tentativa de tributar esses lucros acumulados posteriormente seria uma forma de retroagir a lei, desconsiderando as condições fiscais sob as quais o capital foi gerado e mantido na empresa.
Para entender a base dessa discussão, é imperativo compreender alguns conceitos contábeis fundamentais. O regime de competência, por exemplo, é a espinha dorsal da apuração do resultado, pois reconhece receitas e despesas no período em que ocorrem, independentemente do recebimento ou pagamento. É por meio desse regime que o lucro líquido contábil é determinado e serve de base para a constituição de reservas de lucros – valores do resultado positivo apropriados para finalidades específicas da empresa – ou para o saldo de lucros acumulados, que são os lucros não destinados a reservas ou não distribuídos. As demonstrações financeiras, como o Balanço Patrimonial e a Demonstração do Resultado do Exercício (DRE), são os documentos que evidenciam a formação e o acúmulo desses lucros. Com a reforma, a base da tributação de dividendos migra do lucro fiscal para o lucro contábil, o que pode gerar uma disparidade e, em muitos casos, ampliar a base sujeita ao imposto.
Veja-se que, o lucro, tido como conceito essencial para a existência da distribuição dos dividendos ao seu titular, já estava formado – e inclusive tributado pelo IRPJ – de modo que o momento do seu repasse ao empresário ou investidor pode ser visto como mera formalidade.
Diante da ausência de clareza sobre o tratamento dos lucros acumulados, diferentes cenários interpretativos emergem. Uma interpretação, mais favorável ao contribuinte, segue a linha que apenas os dividendos provenientes de lucros gerados a partir de 2026 deveriam ser tributados, em respeito aos princípios constitucionais e conceitos já citados. Contudo, outra linha de pensamento poderia defender que qualquer dividendo distribuído a partir de 2026, independentemente de sua origem temporal, estaria sujeito à nova regra, focando o fato gerador exclusivamente no momento da distribuição. A existência de uma regra de transição expressa na lei, prevendo o tratamento isento para lucros acumulados até 31/12/2025, seria o cenário ideal para mitigar riscos, mas sua inexistência no PL atual mantém um manto de incerteza jurídica.
Além dos aspectos jurídicos e contábeis, a reforma possui um impacto macroeconômico latente. A possibilidade de tributação sobre lucros acumulados gerados na vigência da lei de isenção está impulsionando uma corrida por parte de empresários para antecipar a distribuição desses valores ainda em 2025.
Trata-se de medida mais prática e segura. Afinal, porque aguardar eventual alteração do PL ou discutir judicialmente por anos, sendo que operacionalizando a distribuição de lucros e dividendos em 2025 o empresário não sofre qualquer tributação?
Além do mais, após a distribuição, caso assim decida, o empresário pode reaplicar o valor na empresa como aporte de capital.
Ainda, do ponto de vista do investidor internacional, é possível que a medida, da forma como está posta no PL 1.087/2025 traga grande impacto econômico, tendo em vista o maior número de investidores buscando a repatriação de valor aplicados no país que já foram revertidos em lucro.
Essa estratégia de “repatriação de divisas” — no sentido de trazer os lucros da esfera da pessoa jurídica para a pessoa física ou até mesmo para o exterior — pode resultar em uma demanda massiva por moedas estrangeiras, especialmente o dólar. A intensificação dessa busca por divisas, em detrimento da moeda nacional, tende a provocar uma disparada na cotação do dólar frente ao Real, seguindo a lógica da oferta e demanda. O aumento significativo da saída de capitais do país, ou mesmo a movimentação interna para ativos dolarizados, pressiona o câmbio e pode gerar efeitos inflacionários e impactar a balança comercial.
Também pode ocorrer uma descapitalização das empresas que, ao invés de ver os seus resultados reinvestidos na expansão do negócio, sofrem a pressão tributária para a distribuição, talvez prematura, dos seus lucros e dividendos.
As implicações práticas dessa potencial reforma variam conforme o porte e o setor da empresa. Micro e pequenas empresas, frequentemente no Simples Nacional ou Lucro Presumido, que possuem fluxo de caixa mais concentrado, são as que mais rapidamente se movem para a antecipação da distribuição, buscando evitar uma carga tributária maior e litígios futuros. Médias empresas, que costumam manter reservas estatutárias e contingenciais mais significativas, precisam priorizar as formalidades de aprovação de assembleia para a distribuição desses montantes. Já as grandes empresas, com volumes de lucros acumulados que podem somar centenas de milhões de reais, estão acelerando distribuições extraordinárias em 2025, especialmente holdings familiares e grupos com governança robusta, a fim de mitigar o potencial ônus tributário.
Diante desse cenário de ambiguidade legal e potenciais riscos, a estratégia mais prudente para o empresário que possui lucros acumulados até 31 de dezembro de 2025 é a antecipação da distribuição desses valores. Isso implica submeter a deliberação societária, ainda em 2025, para a distribuição do montante desejado, com o devido registro em ata. É crucial que o pagamento aos beneficiários seja efetivado antes de 1º de janeiro de 2026, com toda a comprovação documental da liberação dos valores. A formalização societária, a avaliação de alternativas de remuneração, como juros sobre capital próprio e pró-labore, e, acima de tudo, a consulta a uma assessoria jurídica e contábil especializada são passos complementares e cruciais para um planejamento tributário eficaz e em conformidade com a legislação.
Em suma, independente das críticas e elogios que a reforma do imposto de renda sobre lucros e dividendos representada pelo PL 1.087/2025 possa gerar, um ponto é certo, da forma que está posta, a medida obriga os empresários a acelerar as possíveis distribuições de dividendos até o final do ano de 2025 para não ficar à mercê de possíveis alterações no PL ou ainda de discussões judiciais.
propondo uma tributação que, em sua essência, busca complementar o IRPJ. A controvérsia sobre a tributação de lucros acumulados até 31 de dezembro de 2025, gerados sob o amparo de uma legislação anterior mais favorável, reflete a tensão entre a urgência das empresas e a necessária segurança jurídica. Frente aos inquestionáveis princípios da legalidade, anterioridade e, principalmente, irretroatividade — que impede a aplicação de nova lei a fatos geradores passados —, a antecipação da distribuição desses lucros, devidamente documentada, emerge como a estratégia mais segura para o empresário resguardar sua isenção atual. Sem regras de transição explícitas, a proatividade nos meses finais de 2025 é uma medida decisiva para evitar litígios e a incidência de tributos sobre fatos geradores anteriores à nova lei, protegendo o patrimônio empresarial e pessoal, e contribuindo, em alguma medida, para gerenciar as potenciais pressões sobre o cenário cambial.