O pedido de prorrogração foi feito pelo ministro Mauro Campbell, que está com a vista do processo.
A Corte Especial do STJ decidiu nesta quarta-feira, 15, prorrogar o pedido de vista feito na questão de ordem que pode anular a decisão sobre o uso da taxa Selic para corrigir dívidas civis.
O pedido de prorrogração foi feito pelo ministro Mauro Campbell, que está com a vista do processo. Segundo o Regimento Interno do STJ, ele tem mais 30 dias para devolver o caso para julgamento.
No dia 6 de março, a Corte Especial do STJ retomou o julgamento sobre a possibilidade de utilizar a taxa Selic para a correção de dívidas civis, em substituição ao modelo tradicional de correção monetária acrescida de juros de mora.
O debate entre os ministros foi intenso e o julgamento foi interrompido devido a um pedido de vista, relacionado a uma questão de ordem sobre a nulidade do julgamento.
Relembre
Desde 2021, o julgamento pendente no colegiado apresenta duas principais linhas de argumentação: uma defende a aplicação de juros de mora de 1% ao mês (opinião do relator) e a outra pela utilização da taxa Selic (opinião divergente).
Após numerosos pedidos de vista, a sessão de março parecia ser a conclusão esperada do caso. Entretanto, devido à ausência dos ministros Og Fernandes e Francisco Falcão na parte da manhã, o julgamento terminou empatado.
É importante ressaltar que a Corte Especial havia agendado sessão para o dia todo, com intervalo apenas para o almoço.
Com o placar ainda indefinido, o relator, ministro Luis Felipe Salomão, sugeriu que o julgamento prosseguisse à tarde, com a presença de todos os ministros.
O ministro Mauro Campbell concordou com a sugestão.
Por outro lado, a presidente do colegiado, ministra Maria Thereza de Assis Moura, observou que o julgamento já se prolongava por tempo excessivo e considerou impróprio suspender a análise em curso.
Dessa forma, ela decidiu votar para desfazer o empate, posicionando-se a favor da opinião divergente, isto é, pela aplicação da taxa Selic.
Questões de ordem
Neste momento, o relator, ministro Luis Felipe Salomão, levantou três questões de ordem:
i) pela nulidade do julgamento para aguardar os demais ministros que estariam presentes na continuidade da sessão à tarde;
ii) definir o método de utilização dos fatores diários da Selic – se é o método I (multiplicação dos fatores diários da Selic a partir do termo inicial ao termo final da correção da dívida – Selic composta) ou se é a soma dos acumulados mensais – método II; e
iii) como aplicar a Selic nos casos em que o termo inicial do juros de mora antecede o da correção monetária.
O ministro argumentou que nenhum dos votos – relatoria e divergência – trataram dessas peculiaridades.
Após as questões de ordem, Maria Thereza alegou não ter nulidade do julgamento, pois o quórum estava definido.
Com o intenso debate, o ministro Mauro Campbell pediu vista das questões de ordem, deixando claro que o pedido foi feito com escopo de amainar os ânimos. E, com isso, o julgamento foi suspenso.
Votos
O relator do processo, ministro Luis Felipe Salomão, votou contra a utilização da Selic.
Para ele, a taxa Selic não se revela adequada para ser utilizada com fins de correção monetária e juros de mora nas dívidas civis – como na indenização por danos morais, caso do recurso em julgamento.
“Considero que, para as dívidas civis, o melhor critério é mesmo a utilização de índice oficial de correção monetária – que, em regra, consta da tabela do próprio tribunal local – somado à taxa de juros de 1% ao mês (ou 12% ao ano), na forma simples, nos termos do disposto no parágrafo 1º do artigo 161 do Código Tributário Nacional.”
Em seu voto, o ministro apontou sete motivos pelos quais não considera a Selic adequada para as dívidas decorrentes de responsabilidade civil contratual ou extracontratual. Entre as razões, ele lembrou que a taxa básica de juros definida pelo Banco Central não é um espelho do mercado, mas sim o principal instrumento de política monetária utilizado pela instituição no combate à inflação.
Além disso, apontou que a Selic, ao trazer em sua composição juros remuneratórios, não cumpre a função precípua dos juros moratórios fixados nas demandas civis, os quais, em razão de sua natureza punitiva, funcionam como indutor de comportamento para que o devedor pague a dívida.
Divergência
Ministro Raul Araújo inaugurou a divergência e defendeu a aplicação da Selic. Em seu voto, afirmou que não há razão para se impor ao devedor, nas dívidas civis, uma elevada taxa de juros de mora capitalizada mensalmente combinada com a atualização monetária (reposição da inflação) do valor devido.
Ele destacou que o Código Civil – elaborado após intensas discussões sobre o assunto – não exige uma aplicação distinta de juros de mora e de correção monetária: “O Código Civil de 2002 confere um tratamento muito próximo para os juros de mora e a correção monetária, a ponto de praticamente reuni-los de forma um tanto indistinta, chegando quase a confundi-los”.
O ministro comentou que os dispositivos do Código Civil decorrem de uma opção consciente do legislador, que buscou acompanhar e se harmonizar com as escolhas de política econômica do país ao longo de décadas.
Raul Araújo apresentou um histórico do panorama econômico desde a edição do Código Tributário Nacional, em 1964, passando pela criação da Selic, em 1979, pelo Plano Real, de 1994, até o atual Código Civil. Para ele, a Selic é o reflexo de uma economia estabilizada, após décadas de combate à inflação.
“A taxa Selic, no sistema de remuneração de capitais, trouxe significativa mudança no sistema financeiro nacional, impondo uma nova cultura mais hígida para a economia, justamente porque ela une a correção monetária e os juros, medida plenamente viável numa economia estabilizada, como sucede na maioria dos países que servem de modelo.”
Processo: REsp 1.795.982
Fonte: Migalhas