O QUE É O SPLIT PAYMENT NA REFORMA TRIBUTÁRIA?

O QUE É O SPLIT PAYMENT NA REFORMA TRIBUTÁRIA?

Imagine que, ao fazer uma compra, o valor do imposto já seja automaticamente direcionado ao governo no momento do pagamento. Essa é a essência do split payment, uma das hipóteses de liquidação do crédito tributário prevista na reforma tributária dos tributos sobre o consumo.

Com esse sistema, o montante correspondente aos tributos é separado e enviado diretamente aos cofres públicos, enquanto o restante vai para o vendedor. Isso visa reduzir a sonegação fiscal e aumentar a eficiência na arrecadação de impostos.

No sistema atual, o vendedor das mercadorias ou prestador de serviço recebe o valor dos impostos junto com o pagamento do preço do bem comercializado e recolhe os tributos incidentes na operação de uma forma desvinculada da operação comercial.

Isso significa que, mesmo que o comprador pague o preço com os tributos embutidos, é possível que o vendedor não efetue o repasse ao poder público, o que pode gerar diversos problemas, como, por exemplo, a glosa de créditos tributários.

Com a reforma tributária, o split payment, atrelado à realidade atual das tecnologias de pagamento digital, tende a simplificar essa sistemática e trazer mais segurança aos adquirentes tomadores de créditos tributários.

Qual o objetivo principal disso? Garantir que o imposto seja efetivamente recolhido e combater a sonegação. Se o imposto já vai direto para o governo, o risco de o vendedor receber o dinheiro e não repassar a parte do imposto diminui drasticamente.

COMO FUNCIONA O SPLIT PAYMENT?

No momento da transação, seja por cartão, Pix, boleto ou outro meio eletrônico, o sistema de pagamento identifica e calcula automaticamente a parcela do imposto. Essa quantia é então transferida diretamente para o governo, enquanto o valor líquido da venda é creditado na conta do vendedor. Esse processo é facilitado pela integração entre sistemas de pagamento e a infraestrutura fiscal existente, como o Pix e a Nota Fiscal Eletrônica.

Na prática, o que acontece é o seguinte:

  1. Momento da Transação: No instante em que a compra ou serviço é realizado, o sistema de pagamento (seja uma maquininha de cartão, um aplicativo ou o próprio banco) identificará o valor total da transação.
  2. Cálculo do Imposto: Uma parte desse valor será automaticamente calculada como imposto (IBS/CBS).
  3. Divisão do Pagamento:
    • A parcela referente ao imposto será direcionada para uma conta específica do governo.
    • A parcela restante (o valor líquido do produto/serviço) será enviada para a conta do vendedor.
  4. Quem Faz a Divisão? Essa divisão será feita por instituições financeiras, plataformas de pagamento ou até mesmo pelo próprio comprador em transações específicas, dependendo da regulamentação. A ideia é que seja um processo automatizado e transparente.

Isso significa que, para o vendedor, o dinheiro que entra na conta dele já é o valor “limpo”, sem a parte do imposto que ele teria que repassar depois. Para o governo, o imposto chega mais rápido e com menos chances de desvio.

REGULAMENTAÇÃO E A LEI COMPLEMENTAR 214

A Reforma Tributária, consolidada pela Emenda Constitucional nº 132/2023, estabelece as bases para o split payment. A Lei Complementar nº 214/2025 (ou posteriores que a modifiquem) detalha a operacionalização desse sistema, incluindo procedimentos, prazos e responsabilidades. Essa legislação é fundamental para garantir a implementação eficaz do split payment no Brasil.

PONTOS CONTROVERTIDOS E CRÍTICAS AO SISTEMA

Apesar dos benefícios propostos, o split payment enfrenta algumas críticas:

  • Impacto no Fluxo de Caixa das Empresas: Pequenas e médias empresas podem enfrentar desafios, pois o valor do imposto é retido no momento da venda, reduzindo o capital disponível para despesas operacionais. Embora essa seja uma crítica veiculada com certa frequência, é importante lembrar que o sistema atual já prevê a incidência e o pagamento do imposto no momento da venda.

Ainda sobre o fluxo de caixa, atualmente as empresas dispõem de um intervalo entre a data do pagamento pelo comprador e a data efetiva de vencimento dos tributos incidentes, o que possibilita um equilíbrio de caixa pelo vendedor, que utiliza o valor dos tributos por alguns dias ou semanas até que ocorra efetivamente o vencimento dos tributos. Esse “benefício” será eliminado pelo split payment.

  • Complexidade Tecnológica: A implementação exige investimentos significativos em tecnologia por parte de bancos, empresas de software e comerciantes, o que pode ser oneroso.
  • Dependência de Infraestrutura Tecnológica: A eficácia do sistema depende de uma infraestrutura tecnológica robusta e confiável, o que pode ser um desafio em regiões com menor acesso a tecnologias avançadas.

Apesar desses pontos de atenção, é importante ponderar que boa parte deles já está presente no atual sistema, que possui as apurações e rotinas fiscais atreladas a tecnologias como Nota Fiscal Eletrônica, transmissão eletrônica de declarações tributárias e até a emissão de documentos de arrecadação por meio dos sistemas do fisco.

EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS COM O SPLIT PAYMENT

split payment não é uma invenção brasileira. Vários países, principalmente na Europa, já utilizam mecanismos semelhantes, muitas vezes para combater fraudes específicas no IVA.

Alguns exemplos incluem:

  • Polônia: Em 2018, implementou o split payment de forma obrigatória para certas transações de bens e serviços considerados de alto risco de fraude (como eletrônicos, combustíveis, aço). O comprador deposita o valor do imposto em uma conta bancária especial do vendedor, que só pode ser usada para pagar impostos ou outros fornecedores.
  • Itália: Utiliza o split payment desde 2015, principalmente em transações com o setor público. Quando o governo compra de uma empresa, ele retém o IVA e o paga diretamente à autoridade fiscal.
  • Romênia e República Tcheca: Também têm adotado variações do split payment, focando em setores específicos ou transações de maior risco.

A experiência desses países mostra que o split payment pode ser uma ferramenta eficaz contra a sonegação, mas sua implementação exige um planejamento cuidadoso e sistemas robustos para evitar impactos negativos aos contribuintes.

PROBLEMAS DO SISTEMA ATUAL QUE SERÃO RESOLVIDOS COM O SPLIT PAYMENT

split payment busca solucionar diversos problemas:

  1. Combate à Sonegação e Fraudes:
    • Problema Atual: Muitos impostos são recolhidos pelos vendedores, mas nem sempre são repassados integralmente ao governo. Isso gera uma grande perda de arrecadação e distorce a concorrência.
    • Solução do Split Payment: Ao separar o imposto na fonte e enviá-lo diretamente ao fisco, o split payment fecha essa brecha, garantindo que o imposto chegue ao seu destino.
  2. Redução da Litigiosidade:
    • Problema Atual: Há muitas discussões e processos judiciais entre empresas e o fisco sobre o recolhimento e o repasse de impostos. Grande parte das discussões atuais recai sobre o direito à apropriação de créditos tributários.
    • Solução do Split Payment: A reforma tributária já traz uma previsão de redução considerável dessas discussões e, especificamente o split payment, terá o impacto de reduzir discussões relativas ao pagamento/incidência do imposto na etapa anterior como requisito para apropriação do crédito. Com o imposto sendo pago diretamente, a chance de erros ou omissões diminui, o que pode levar a menos disputas e mais previsibilidade.
  3. Melhora da Arrecadação e Eficiência Fiscal:
    • Problema Atual: O governo tem dificuldade em fiscalizar todas as transações e garantir o recolhimento.
    • Solução do Split Payment: O sistema se torna mais eficiente. O imposto é coletado de forma mais automática e segura, liberando recursos do fisco para outras atividades.
  4. Apoio à Não Cumulatividade Plena:
    • Problema Atual: Os impostos atuais (PIS, Cofins, ICMS, ISS) têm regras de cumulatividade e não cumulatividade que geram “imposto sobre imposto” e muita burocracia para o abatimento.
    • Solução do Split Payment: Embora não resolva a cumulatividade por si só (isso é papel do IBS/CBS), o split payment garante que o imposto seja pago em cada etapa da cadeia de forma transparente, facilitando o controle e o abatimento para as empresas que têm direito à não cumulatividade plena.

Em resumo, o split payment é uma ferramenta poderosa para modernizar a arrecadação, tornando-a mais segura e eficiente, e para combater a sonegação, que tanto prejudica o país.

DÚVIDAS FREQUENTES SOBRE SPLIT PAYMENT

  1. split payment vai aumentar o imposto que eu pago? Não, o split payment é uma forma de pagamento, não um aumento de imposto. Ele apenas muda como o imposto é recolhido, garantindo que a parte do imposto da sua compra vá direto para o governo, em vez de passar primeiro pela conta do vendedor.
  2. Todas as minhas compras terão split payment? A Lei Complementar 214/2025 prevê algumas possibilidades de liquidação do imposto, dentre elas a compensação com saldo credor existente do vendedor e o pagamento direto por documento de arrecadação. O split payment é mais uma dessas possibilidades, aplicável, em regra, para pagamento de compras realizadas por meio eletrônico.
  3. split payment é bom ou ruim para as empresas? Depende do ponto de vista e da adaptação. Para o governo, é bom porque garante a arrecadação e combate a sonegação. Para as empresas, pode ser um desafio inicial de adaptação tecnológica, mas, a longo prazo, a simplificação e a redução da burocracia (com a não cumulatividade plena) podem trazer benefícios.

Como dito, algumas discussões de legitimidade de crédito – como no caso de aquisição de empresas inidôneas – tendem a desaparecer.

Além disso, a redução de sonegação é benéfica ao bom pagador, que atualmente acaba por arcar (ainda que de forma indireta) com a parcela do tributo não recolhido por outros, além de eliminar a concorrência desleal de empresas sonegadoras.

  1. Quando o split payment começa a valer? O split payment será implementado junto com o IBS e o CBS, seguindo um cronograma de transição que vai até 2033. Embora ainda não exista uma regulamentação específica, a Receita Federal informa que o split payment será implementado a partir de 2027 de forma gradual e facultativa.

CONCLUSÃO

split payment é uma das inovações mais significativas da Reforma Tributária brasileira. Ele representa uma mudança fundamental na forma como os impostos serão recolhidos, buscando maior eficiência, transparência e combate à sonegação.

Embora traga desafios, especialmente no que diz respeito à adaptação tecnológica, a experiência internacional e os benefícios esperados para a arrecadação e a simplificação do sistema fiscal indicam que é um passo importante para um Brasil mais justo e competitivo.

Fato é que as empresas deverão se adequar à nova realidade decorrente, não apenas da implementação do split payment, mas da reforma tributária como um todo.

Essa adaptação significa desde a revisão dos contratos comerciais — com inclusão de cláusulas contratuais que delimitem a forma de pagamento da mercadoria e dos tributos — até a revisão do fluxo financeiro das operações e da formação de preço.

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