REFORMA TRIBUTÁRIA: Efeitos na Zona Franca de Manaus e demais Regiões do Brasil

REFORMA TRIBUTÁRIA: EFEITOS NA ZONA FRANCA DE MANAUS E DEMAIS REGIÕES DO BRASIL

A Zona Franca de Manaus (ZFM) é uma das mais importantes políticas de desenvolvimento regional do Brasil, criada para promover a industrialização e a ocupação econômica da Amazônia. Desde sua instituição em 1967, a ZFM serviu como polo de atração de investimentos, criação de empregos e diversificação produtiva, baseando-se em um conjunto de incentivos fiscais e aduaneiros.  

Nos últimos anos, a ampla reforma tributária nacional, que reorganiza tributos sobre o consumo e introduz novos impostos como o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), suscitou dúvidas sobre a sobrevivência, a forma e a atratividade do regime da ZFM. Nesse contexto, o presente artigo busca analisar o funcionamento atual da Zona Franca de Manaus, seus benefícios fiscais, as mudanças previstas pela reforma e os principais impactos econômicos e sociais esperados, bem como os impactos nas demais regiões do Brasil, em especial, para produtos que têm fabricação similar na ZFM. 

O que é a Zona Franca de Manaus e como ela funciona? 

A Zona Franca de Manaus (ZFM) pode ser descrita como um polo industrial criado pelo governo brasileiro no ano de 1967, por meio do Decreto Lei nº 288, com o principal objetivo de promover o desenvolvimento econômico e social na região amazônica, integrando-a ao restante do país e, consequentemente, reduzindo as desigualdades regionais. 

 Sob a administração da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), a ZFM abrange não apenas Manaus, mas também parte dos Estados do Acre, Rondônia e Roraima e possui como foco, além da industrialização, o comércio e a agropecuária. 

 Constitui-se, portanto, uma área de regime fiscal especial, a qual oferece um amplo conjunto de incentivos tributários, como isenções, reduções e créditos de impostos federais, estaduais e municipais, viabilizando a instalação de indústrias competitivas em uma região distante dos principais centros consumidores. 

As empresas que operam na ZFM devem seguir o Processo Produtivo Básico (PPB), que define as etapas mínimas de industrialização obrigatórias a serem realizadas localmente, garantindo que os benefícios fiscais estejam atrelados à geração efetiva de emprego, renda e transferência tecnológica.  

Com esse modelo, a Zona Franca de Manaus se consolidou como o principal polo industrial da Região Norte e um dos mais relevantes do país, abrigando setores como eletroeletrônicos, motocicletas, bebidas, informática e bens de consumo, além de desempenhar papel estratégico na preservação ambiental, ao oferecer alternativas econômicas sustentáveis à exploração predatória da floresta amazônica. 

Benefícios tributários vigentes na ZFM  

 Como mencionado, a ZFM concede uma série de benefícios fiscais, tributários e econômicos com o objetivo de estimular o desenvolvimento industrial, comercial e tecnológico da região amazônica, compensando as dificuldades logísticas e de infraestrutura da região.  

            Entre os principais benefícios tributários concedidos atualmente, destacam-se: 

  • IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados): produtos fabricados na ZFM contam com isenção de IPI, tanto para a aquisição de insumos quanto para a comercialização dos bens finais produzidos, além de crédito presumido (Decreto-Lei nº 288/1967; RIPI Art. 81–86);
  • PIS/Cofins: isenção das contribuições nas vendas de produtos dentro da ZFM e suspensão das contribuições nas operações de importação (Lei nº 10.637/2002 e 10.833/2003).
  • ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços): créditos presumidos (crédito estímulo – Lei nº 2.826/2003) e reduções de alíquotas de ICMS, além de regimes especiais de apuração e recolhimento.  
  • ISS: Reduções e isenções concedidas por municípios da ZFM. 
  • II (Imposto sobre Importação): empresas instaladas na ZFM têm isenção total ou parcial do Imposto de Importação sobre insumos, matérias-primas, componentes e equipamentos importados, desde que sejam utilizados na produção de bens dentro da própria Zona Franca; 
  • IRPJ (Imposto de Renda da Pessoa Jurídica): empresas consideradas de interesse regional podem obter redução de até 75% do imposto devido, especialmente para projetos industriais e de inovação tecnológica. 

Além das isenções tributárias, a ZFM conta com incentivos indiretos, como apoio à infraestrutura industrial, programas de capacitação de mão de obra, incentivos à pesquisa e inovação e facilidades de transporte e armazenagem de mercadorias. 

Em síntese, os benefícios concedidos pela Zona Franca de Manaus buscam criar um ambiente econômico competitivo, atrair investimentos nacionais e estrangeiros, gerar empregos, diversificar a economia local e promover o desenvolvimento sustentável da Amazônia.  

Esses incentivos são constantemente debatidos e ajustados para equilibrar o estímulo ao crescimento regional com as diretrizes da reforma tributária e da política nacional de desenvolvimento econômico. 

Mudanças na ZFM previstas pela reforma tributária 

A aprovação da Reforma Tributária por meio da Emenda Constitucional nº 132/2023, promoveu uma profunda reestruturação na tributação sobre o consumo no Brasil, tendo como principal objetivo simplificar o sistema tributário nacional, reduzir a cumulatividade, aumentar a transparência na arrecadação e garantir maior eficiência e neutralidade econômica nas relações entre empresas, consumidores e entes federativos. 

A nova estrutura substitui cinco tributos atuais (IPI, ICMS, ISS, PIS e Cofins) por três novos tributos: o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), de competência compartilhada entre estados e municípios, a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), de competência federal, e o IS (Imposto Seletivo), aplicável a bens e serviços considerados prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. 

No que diz respeito à ZFM, a reforma tributária levanta dúvidas sobre a manutenção dos benefícios fiscais que sustentam este modelo econômico, sendo de extrema relevância analisar como os novos tributos mencionados serão adaptados à esta área.  

Importante salientar que a Constituição Federal garante a vigência da Zona Franca de Manaus até 2073, de modo que, mesmo com a reforma, a União é obrigada a preservar os incentivos fiscais que asseguram a competitividade da região. 

Neste contexto, a Lei Complementar nº 214/2025, em seus artigos 439 a 457, estabeleceu um conjunto de benefícios e regras específicas aplicáveis ao IBS e à CBS, a fim de assegurar a manutenção dos incentivos essenciais à Zona Franca de Manaus. 

De maneira geral, o novo sistema tributário passará a operar da seguinte maneira: 

  • IBS: unificará o ICMS e o ISS. A reforma criou mecanismos compensatórios que permitem ao Estado do Amazonas manter o mesmo nível de incentivo econômico que hoje é concedido via ICMS. Em tese, deverão ser mantidos mecanismos como alíquota zero, redução de carga tributária e concessão de crédito estímulo. 
  • CBS: substituirá PIS e Cofins. Operações realizadas dentro da ZFM continuarão isentas da CBS, mantendo a neutralidade tributária.  
  • IS: não incide sobre produtos incentivados da ZFM.  

No que diz respeito ao IPI, cumpre destacar que o art. 454 da LC 214/2025 prevê regime diferenciado para este imposto como instrumento de proteção para produtos concorrentes fabricados fora da ZFM.  

Desse modo, o IPI será reduzido a zero, a partir de 1º de janeiro de 2027, para os produtos industrializados na Zona Franca de Manaus no ano de 2024, ou para aqueles com projeto técnico-econômico aprovado pelo CAS da Suframa entre 1º de janeiro de 2022 e a data de publicação da lei, garantindo a competitividade entre as empresas.  

Embora a disposição do artigo 454 seja clara em relação aos produtos produzidos na ZFM, surgem muitos questionamentos em relação ao tratamento dos produtos industrializados fora da ZFM e que tenham similar em produção na ZFM ou com projeto técnico-econômico aprovado pelo CAS. 

Isso se dá em decorrência do texto confuso do artigo 454, que dá margem a interpretações (equivocadas, ao nosso ver) de que este artigo segrega os produtos produzidos na ZFM (por alíquota) e determina que apenas parte dos produtos fabricados na ZFM teriam o IPI reduzido a zero. 

Todavia, a sua interpretação conjunta com o artigo 126, III, “a”, do ADCT, não deixa dúvidas de que todos os produtos com industrialização estimulada na ZFM não serão tributados. 

De outra sorte, a melhor interpretação deste conjunto normativo nos leva à conclusão de que o artigo 454 se aplica para os produtos industrializados nas demais regiões do Brasil. Se a alíquota do IPI for superior à 6,5% e o produto tiver produção na ZFM, o IPI seguirá sendo devido na industrialização deste produto nas demais regiões do país. 

A título exemplificativo, uma moto produzida no Estado de São Paulo continuará tendo a incidência de IPI, pois o produto possui industrialização incentivada na ZFM e sua alíquota (prevista na TIPI) é superior à 6,5%. 

Logo, as empresas deverão se atentar ao tipo de mercadoria e sua alíquota na TIPI para verificar se o seu produto seguirá sendo tributado pelo IPI.  

Não obstante, a reforma tributária prevê a criação do Fundo Nacional de 

Desenvolvimento Regional (FNDR) e do Fundo de Sustentabilidade e Diversificação Econômica do Amazonas, com o objetivo de promover o desenvolvimento regional e compensar possíveis impactos ou perdas decorrentes da reforma.

Conclusão

A Zona Franca de Manaus foi criada com a missão de promover o desenvolvimento regional em um ambiente geográfico desafiador, adotando um modelo que integra incentivos fiscais federais e estaduais a contrapartidas industriais, o que permitiu a formação de um polo produtivo capaz de gerar emprego, renda e crescimento econômico sustentável ao longo de décadas. 

É certo que a reforma tributária estruturada em torno do IBS/CBS e do Imposto Seletivo não elimina, em princípio, a possibilidade de regimes especiais, inclusive o da ZFM, mas exige uma readequação técnica do arcabouço de incentivos.  

O resultado final dependerá fortemente do desenho das regras de creditamento, da forma como se resolve a questão destino/origem e da capacidade legislativa e administrativa de transformar proteções constitucionais em instrumentos operacionais eficazes. 

Se bem implementada, a reforma pode combinar a modernização do sistema tributário com preservação, e até refinamento, de políticas regionais como a ZFM. Por outro lado, se mal calibrada, corre-se o risco de reduzir a atratividade do polo e agravar vulnerabilidades socioeconômicas locais.  

A manutenção da ZFM no novo modelo de tributação também altera a dinâmica das empresas localizadas nas demais regiões do país, que devem sempre analisar a existência de produto similar com industrialização incentivada, com o intuito de entender melhor o cenário de competitividade nacional e até a forma de tributação dos seus produtos. 

Por esta razão, as próximas normas complementares e atos infralegais serão decisivos para transformar o comando constitucional em práticas que preservem empregos, investimentos e inovação na Amazônia, em linha com o horizonte de 2073 e com os objetivos de sustentabilidade e integração nacional.  

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