Redução de mensalidades escolares na pandemia por leis estaduais é inconstitucional

O cenário de crise econômica ensejado pela pandemia da COVID-19 trouxe vários reflexos em diversos setores econômicos, inclusive, no setor educacional. Assim, alguns estados determinaram, através da promulgação de leis estaduais, a redução obrigatória e proporcional das mensalidades na rede privada de ensino. Estas leis, todavia, seriam constitucionais?

O vínculo entre as instituições de ensino da rede privada e os alunos, ou eventualmente seus representantes legais, se materializa através da celebração de um instrumento contratual.

Importante destacar que o contrato é espécie do gênero negócio jurídico e resulta do acordo de vontades entre as partes. Trata-se, pois, de instituto decorrente da autonomia privada, por meio do qual as partes estabelecem entre si direitos e obrigações de valor econômico.

Nos termos do artigo 104 do Código Civil, “a validade do negócio jurídico requer agente capaz; objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei.”

Sob um prisma contemporâneo, além de se submeter às exigências legais, o contrato deve também se submeter aos princípios da eticidade, socialidade e operabilidade. Em suma, deve cumprir sua função social, jamais contrariando valores de ordem pública.

As partes decidem contratar por inúmeras razões, causas e motivações (objetivas e subjetivas). Nas palavras de Chiovenda: “as partes não contratam pelo mero prazer de trocar declarações de vontade” (CHIOVENDA, Giuseppe. Istituzioni di diritto processuale civile. p. 188. Apud FORGIONI, Paula. Contratos empresariais: teoria geral e aplicação. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 115.). O importante é que no ato da contratação, as partes ajam com transparência, trazendo à tona tudo o que for relevante para a relação contratual, devendo haver, pois, clareza de propósitos, em estrita observância ao princípio da boa-fé objetiva.

Ocorre que ao estabelecerem desconto obrigatório nas mensalidades de instituições privadas de ensino básico e superior, as leis estaduais alteram, de maneira geral e abstrata, o conteúdo dos negócios jurídicos. Tais leis, portanto, violam, inequivocamente, a competência privativa da União, expressamente prevista no artigo 22, inciso I, da Constituição Federal, para legislar sobre direito civil (incluído, aqui também, o direito contratual).

O federalismo centrípeto brasileiro é norteado pelo princípio da predominância do interesse e, historicamente, a União disciplina não só as matérias mais importantes, mas também, as normas gerais. E, embora os estados possam legislar, considerando as normas de distribuição de competências legislativas estabelecidas na Constituição Federal, não poderiam, de maneira geral, disciplinar tema afeto ao Direito Civil e Contratual.

Ao exigirem uma redução geral de preços fixados nos contratos para os serviços educacionais, as leis estaduais acabam por usurpar da competência legislativa atribuída à União e, como já mencionado anteriormente, passam a regular indevidamente matéria atinente ao direito civil.

Além disso, impende frisar que quando a lei estadual dispõe sobre descontos nas mensalidades escolares em razão da pandemia, presume o prejuízo dos contratantes e, em contrapartida, um ganho ilícito dos fornecedores. No caso em tela, porém, a pandemia (fato externo à relação contratual), não configura conduta abusiva ou ilícita do fornecedor.

Neste sentido, a CONFENEM (Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino), questionou por meio das Ações Direta de Inconstitucionalidade 6423, 6435 e 6575, a constitucionalidade das leis dos Estados do Ceará, do Maranhão e da Bahia, que estabeleceram desconto obrigatório nas mensalidades da rede privada.

O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, as considerou inconstitucionais. Segundo o ministro Alexandre de Moraes  a competência concorrente dos estados para legislar sobre direito do consumidor se restringe a normas sobre a responsabilidade por dano ao consumidor (artigo 24, inciso VIII, da Constituição) e não se confunde com a competência legislativa geral sobre direito do consumidor, exercida de forma efetiva pela União, por meio da edição, essencialmente, do Código de Defesa do Consumidor. Em seu voto, o ministro também menciona que os efeitos da pandemia sobre os negócios jurídicos privados, inclusive decorrentes de relações de consumo, foram tratados pela Lei federal 14.010/2020.

Em razão de todo exposto, a despeito da boa intenção do legislador estadual que, ao exigir uma redução nos preços estabelecidos nos contratos educacionais das redes privadas, apenas visou minimizar as consequências sociais e econômicas no setor da educação, não se mostra constitucionalmente plausível o enquadramento do conteúdo na competência expressamente prevista no artigo 24, V, da Constituição Federal.

Dra. Thaís Arêas

Especialista da área Cível