O atual conceito de Produto Intermediário para fins de Crédito de ICMS à luz da Jurisprudência do STJ

O atual conceito de Produto Intermediário para fins de Crédito de ICMS à luz da Jurisprudência do STJ

A discussão sobre o direito ao crédito de ICMS em relação aos chamados produtos intermediários tem sido tema central nas discussões envolvendo o tributo estadual.

Especificamente no caso de São Paulo, a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo (Sefaz-SP) estabeleceu, por meio da Decisão CAT 02/1982, critérios bastante restritivos para a apropriação de créditos relacionados a produtos intermediários. Apenas as matérias-primas e produtos intermediários que se incorporassem fisicamente ao produto final e fossem consumidos de modo imediato e integral poderiam gerar créditos de ICMS. Produtos secundários, consumidos no processo produtivo mas sem integração ao produto final, eram excluídos dessa possibilidade.

Contudo, a Decisão Normativa CAT 01/2001 inovou ao equiparar produtos intermediários e secundários, ampliando o rol de insumos passíveis de crédito, desde que utilizados ou consumidos no processo de industrialização. Dessa forma, mesmo insumos que não se incorporassem fisicamente ao produto final poderiam originar créditos, desde que essenciais à produção, ainda que o consumo não fosse imediato ou total em cada ciclo produtivo. Bens de uso e consumo, entretanto, continuaram fora do direito ao crédito.

A regulamentação federal sobre o tema trouxe avanços importantes. Com a Lei Complementar 87/1996, conhecida como Lei Kandir, tornou-se possível o crédito de ICMS para mercadorias diversas, não se limitando aos insumos incorporados ao produto final. Essa legislação ampliou o universo de insumos passíveis de crédito, exigindo apenas que as mercadorias e serviços não sejam alheios à atividade do estabelecimento.

Antes dela, o Convênio ICMS 66/88 estabelecia tratamento mais restritivo, permitindo o creditamento apenas nos casos em que o insumo fosse consumido diretamente ou integrado ao produto final.

Apesar de a legislação atual ser mais favorável ao contribuinte, ainda há grande resistência dos fiscos estaduais em sua aplicação, que muitas vezes se valem de entendimentos antigos ou normas já revogadas para limitar o direito ao crédito dos contribuintes.

Em dezembro de 2024, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do AREsp 2.621.584, sob relatoria do ministro Francisco Falcão, apresentou entendimento mais favorável aos contribuintes, ratificando o direito ao crédito de ICMS na aquisição de produtos intermediários.

O caso envolveu a Petrobras, que ingressou com ação para anular uma multa imposta pelo fisco do Rio de Janeiro, decorrente do aproveitamento de créditos de ICMS relativos à compra de fluidos de perfuração (usados para resfriar e lubrificar as brocas que perfuram poços de petróleo), considerados pela empresa como insumos essenciais ao seu processo produtivo.

O Estado do Rio de Janeiro – a exemplo de muitos outros – entende que os fluidos não integram o produto final vendido pela empresa e, por isso, não podem dar direito a crédito de ICMS.

No entanto, à luz da sistemática da não cumulatividade do ICMS e da interpretação da Lei Complementar nº 87/1996, os bens intermediários não precisam, necessariamente, ser integralmente consumidos ou incorporados ao produto final para esse fim.

Foi exatamente esse o entendimento do relator, no voto vencedor do AREsp 2.621.584, ao afirmar que “é legal o aproveitamento de créditos de ICMS na compra de produtos intermediários utilizados nas atividades-fim da sociedade empresária, ainda que consumidos ou desgastados gradativamente, desde que necessários à realização do objeto social da empresa”.

Esse precedente é extremamente importante para fins de apuração de crédito de ICMS, pois reforça o entendimento mais amplo – contrário ao fixado pelos Estados – para a apropriação de tais créditos.

Vale lembrar que, em 11 de outubro de 2023, no julgamento do EAREsp nº 1.775.781/SP, que representou um ponto importante nessa discussão, o voto condutor proferido pela ministra relatora do caso, Maria Regina Helena Costa, rechaçou o entendimento comumente aplicado pelos Estados, tomando como base uma interpretação sistemática dos artigos 20, 21 e 33 da Lei Kandir (LC 87/96).

Na ocasião, ficou estabelecido que os bens intermediários indispensáveis ao processo produtivo poderiam gerar crédito de ICMS, independentemente do consumo imediato, do desgaste acelerado ou da incorporação integral ao produto final. O critério determinante para o creditamento seria a comprovação da essencialidade desses produtos para a atividade-fim da empresa, ou seja, o papel fundamental que desempenham no desenvolvimento das operações produtivas, sem os quais não seria possível manter a continuidade do processo industrial.

Com isso, os créditos de diversos produtos intermediários que historicamente eram negados pelos estados passam a ser permitidos pelo critério fixado pelo STJ. 

São exemplos destes produtos que se desgastam no processo produtivo as agulhas para a indústria de tecelagem; luvas, seringas e agulhas na atividade agropecuária; lubrificantes industriais; solventes; facas e lâminas de corte; moldes e matrizes; peças de máquinas em geral.

Apesar dos exemplos citados, a relação de produtos e serviços adquiridos pelas empresas deve ser minuciosamente analisada por profissionais da área tributária para, em conjunto com o tipo de atividade-fim do contribuinte, atestar quais bens e serviços são passíveis de creditamento.

Assim, essa interpretação favorável aos contribuintes, que já havia sido apresentada no julgamento do EAREsp nº 1.775.781/SP, foi reafirmada no recente AREsp 2.621.584/RJ.

O posicionamento ratificado pela Corte, embora não tenha sido proferido pela sistemática dos recursos repetitivos, reforçou a compreensão de que a não cumulatividade do ICMS deve ser aplicada de forma ampla, assegurando maior previsibilidade e segurança jurídica para as empresas.

Esse entendimento é importante, pois garante maior segurança aos contribuintes que, até então, estavam à mercê do entendimento restritivo e ilegal fixado pelos estados nas diversas normas produzidas sobre o tema.

O critério fixado pelo STJ garante que os contribuintes possam reavaliar o aproveitamento de créditos no caso concreto, utilizando a premissa de que dão direito a crédito de ICMS também as aquisições de mercadorias que estejam ligadas à sua atividade-fim, ainda que consumidas ou desgastadas gradativamente, sem a necessária integração ao produto final.

Ainda que os estados se mostrem reticentes à aplicação do precedente do STJ, lavrando autos de infração e questionando o aproveitamento desses créditos, o contribuinte tem a expectativa de ver seu direito reconhecido pelo Judiciário.

Este cenário traz diversas possibilidades de revisão dos parâmetros de créditos apropriados pela empresa atualmente. Deve-se, portanto, realizar trabalho minucioso de análise de todos os bens adquiridos pela empresa à luz do conceito de produtos intermediários fixado pelo STJ para que sejam considerados os créditos de diversos bens que, pelos conceitos fixados pelos estados, não dariam direito à crédito.

Ficará aos profissionais da área tributária a tarefa de realizar uma análise detalhada das aquisições de bens e serviços das empresas, revisando os parâmetros fixados anteriormente e assegurando que o aproveitamento dos créditos esteja em conformidade com os critérios estabelecidos, otimizando assim os benefícios fiscais disponíveis e, por consequência, a formação do preço do produto final.

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