Com a recuperação judicial, as Lojas Americanas, para evitar demissões, podem negociar com sindicatos a redução de jornadas e salários de empregados e a suspensão de contratos de trabalho. Se essas medidas não forem suficientes, a empresa pode promover demissões em massa, mas só se antes buscar chegar a um acordo com as entidades que representam os funcionários.
Após a descoberta de “inconsistências contábeis” de R$ 20 bilhões, as Americanas tiveram a recuperação judicial autorizada pela Justiça do Rio de Janeiro. A dívida da varejista é de R$ 47,9 bilhões. Desse total, R$ 64,8 milhões são devidos aos 44 mil trabalhadores do grupo — que têm prioridade de recebimento na reestruturação. Há quase 17 mil ações trabalhistas em curso contra empresas do grupo Americanas, representando um valor total de R$ 1,53 bilhão, segundo sindicatos.
A 4ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro instaurou cooperação jurisdicional entre o Tribunal de Justiça fluminense e o Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (RJ) para resguardar os interesses dos milhares de trabalhadores das Lojas Americanas e a aceleração dos pagamentos dos seus créditos.
Nesse cenário, trabalhadores das Americanas passaram a temer demissões em massa. Porém, Mauricio Corrêa da Veiga, especialista em Direito do Trabalho e sócio do Corrêa da Veiga Advogados, lembra que o Supremo Tribunal Federal, em 2022, criou uma barreira para as demissões em massa (RE 999.435).
A corte exige que o sindicato da categoria seja acionado para negociar condições para os trabalhadores desligados. E isso deve acontecer para as Americanas caso seja necessária a demissão de empregados, afirma o advogado.
Segundo Veiga, uma possibilidade é a redução de salários e benefícios aos trabalhadores. No entanto, ressalta, isso depende de uma negociação com o sindicato, que, na prática, se mostra inviável diante das notícias de má-gestão na empresa.
“O que preocupa, além da situação dos empregados das Americanas, é a dos empregados da cadeia de fornecedores. Centenas de empresas que fornecem produtos para serem vendidos para as Americanas terão impactos muito negativos em seus faturamentos, repercutindo em uma infinidade de trabalhadores”, destaca o advogado.
Em 31 de janeiro, a empresa começou a fazer demissões no Rio de Janeiro após o anúncio da recuperação judicial. Maria Gabriela Lopes de Macedo, advogada trabalhista do escritório Caputo, Bastos e Serra Advogados, esclarece que, para ser considerada dispensa em massa, os desligamentos devem ser concomitantes e compostos de um motivo único (econômico, por exemplo), com o exclusivo propósito de redução do quadro de funcionários.
“Nesses termos, a empresa pode realizar uma demissão em massa. Contudo, esse tipo de demissão deve ser precedido de negociação com o sindicato da categoria profissional, dada a dimensão do impacto social que pode causar, conforme concluiu o STF”, diz Maria Gabriela.
A advogada ressalta que a intervenção sindical prévia não significa “autorização”, conforme ressaltado pelo Supremo na decisão. Ou seja, a demissão em massa não depende de anuência do sindicato, tampouco de acordo ou convenção coletiva que a autorize. “Ainda que não haja acordo com o sindicato, a demissão em massa se consumará do mesmo modo.”
Direitos dos trabalhadores
O advogado Bruno Freire aponta que os direitos dos trabalhadores das Americanas em caso de demissão são os dos de empresas que não estejam em recuperação judicial. No entanto, há a exceção de que o empregador poderá requerer o prazo de 60 dias, após a autorização do processo, para apresentar um plano de reestruturação, no qual podem ser aprovadas condições de pagamentos, parcelamentos e outras medidas a serem adotadas. Como, por exemplo, o parcelamento de verbas rescisórias, salários e prorrogação no pagamento de décimo terceiro.
Porém, a Lei de Falências (Lei 11.101/2005), em seu artigo 54, estabelece que o plano de recuperação judicial não pode prever prazo superior a um ano para pagamento dos créditos trabalhistas, independentemente do tempo em que perdurar o processo, cita Freire.
O parágrafo único do dispositivo determina que o projeto de reestruturação também não poderá prever prazo superior a 30 dias para o pagamento dos créditos de natureza estritamente salarial vencidos nos três meses anteriores ao pedido de recuperação judicial, até o limite de cinco salários mínimos por trabalhador.
Para o advogado, o melhor caminho para as Americanas seguirem nesse momento é o instrumento denominado “lay-off”. “A prática cresceu no Brasil durante a epidemia de Covid-19 e vem sendo uma alternativa para evitar demissões em massa. A sua implementação pode ocorrer de duas formas, a depender do interesse do empregador: pela suspensão total dos contratos de trabalho ou redução das jornadas e remuneração”, explica.
“A medida é útil, porque evita demissões imediatas, por um lado, e, por outro, incrementa o potencial profissional dos trabalhadores com cursos. Uma estratégia muito benéfica tanto para o empregador, que reduz os custos com folha de pagamento no período, como para os empregados, que, em meio ao risco de perder os empregos, têm a possibilidade de continuar com vínculo dentro de determinadas condições”, aponta Freire.
O advogado ressalta que não se pode esquecer que há ônus envolvido para as duas partes da relação trabalhista. “A desvantagem para o empregador é que, no caso da suspensão dos contratos de trabalho, ele terá custos sem a retribuição da prestação dos serviços, ou seja, sem produção. Já para o trabalhador, haverá redução de rendimentos, tanto na hipótese de recebimento de bolsa ou na diminuição de sua jornada.”
Fonte: Conjur