O transporte aéreo de passageiros é regido por normas que visam proteger o consumidor frente a falhas na prestação do serviço.
Dentre os infortúnios mais frequentes que acometem os passageiros, destacam-se os atrasos em voos, o cancelamento de reservas, o rebaixamento de classe (downgrade) e ocorrências como o extravio de bagagens. Tais eventos são passíveis de gerar transtornos significativos, bem como danos de ordem patrimonial e extrapatrimonial (moral), que frequentemente extrapolam os limites da normalidade cotidiana. O presente texto visa elucidar as responsabilidades imputáveis às companhias aéreas em tais circunstâncias, com fundamento nas disposições do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990), na Resolução ANAC nº 400, de 13 de dezembro de 2016, e na consolidada jurisprudência nacional.
Do Atraso de Voo
O atraso na partida de voos configura uma das situações de maior incidência no âmbito do transporte aéreo e que apresenta elevado índice de litigiosidade. A Resolução ANAC nº 400/2016 estabelece que as empresas aéreas têm o dever de comunicar aos passageiros, pelos meios disponíveis, acerca da ocorrência do atraso e da nova previsão para o horário de partida.
Adicionalmente, a referida norma determina que, em caso de atrasos superiores a uma hora, a companhia deve disponibilizar aos passageiros facilidades de comunicação (acesso à internet e telefone). Se o atraso exceder duas horas, impõe-se a oferta de alimentação adequada ao horário, seja por meio de refeição ou voucher individual. Para atrasos superiores a quatro horas, o passageiro adquire o direito a serviço de hospedagem, na hipótese de pernoite, e ao traslado entre o aeroporto e o local de acomodação.
O passageiro, entretanto, detém a faculdade de optar pelo reembolso integral do valor despendido pela passagem ou pela reacomodação em outro voo, seja da própria companhia ou de terceiros, sem a incidência de qualquer ônus adicional. Outrossim, nos casos em que o atraso resultar em danos materiais ou morais, a exemplo da perda de compromissos profissionais inadiáveis, eventos de relevância ou conexões internacionais, a companhia aérea poderá ser demandada judicialmente e responsabilizada pela compensação dos danos, com fulcro na teoria da responsabilidade objetiva, a qual dispensa a comprovação de culpa ou dolo do agente (art. 14 do CDC).
Do Cancelamento de Reserva
O cancelamento unilateral de reservas por parte das companhias aéreas, mormente quando efetuado sem prévia notificação ao passageiro, caracteriza falha na prestação do serviço contratado. O consumidor possui o direito de ser informado antecipadamente sobre o cancelamento e pode exercer uma das seguintes opções: i) reacomodação em outro voo, seja da própria empresa ou de terceiros, sem custos adicionais; ii) reembolso integral da quantia paga; ou iii) execução do serviço por outra modalidade de transporte, quando exequível.
Ademais, na ocorrência de overbooking (prática de comercializar um número de bilhetes superior à capacidade de assentos da aeronave), a Resolução ANAC nº 400/2016 impõe à companhia a busca por passageiros voluntários dispostos a ceder seus assentos mediante a oferta de compensações. Caso não haja voluntários e o passageiro seja impedido de embarcar compulsoriamente, este fará jus a uma compensação imediata, sem prejuízo da possibilidade de pleitear indenização por danos materiais e morais.
É imperativo observar que, quando a decisão de não realizar o voo emana do próprio consumidor, este deve atentar para as possíveis sanções contratuais que podem ser aplicadas neste contexto. Multas podem constituir um desdobramento dessa decisão, sendo imprescindível que o consumidor esteja plenamente informado acerca de tais implicações antes de deliberar pela desistência da viagem. Uma faculdade conferida pela legislação, em determinadas circunstâncias, é a opção por um crédito para utilização em um período de doze meses, em substituição ao reembolso ou voucher.
Do Downgrade (Rebaixamento de Classe)
O denominado downgrade, que consiste no rebaixamento da classe de serviço originalmente contratada (v.g., de executiva para econômica), configura prática indevida que não raro se verifica tanto em voos domésticos quanto em voos internacionais. O artigo 20 do Código de Defesa do Consumidor reitera que a prestação do serviço deve ocorrer em estrita conformidade com o pactuado, sob pena de ensejar a reparação dos danos por parte do fornecedor. Dentre os direitos assegurados aos passageiros submetidos a downgrade, incluem-se: I) o reembolso da diferença tarifária entre as classes; ii) a compensação por danos morais; e iii) a formalização de reclamação junto à ANAC e aos órgãos de defesa do consumidor.
Do Extravio de Bagagens
Na hipótese de a bagagem despachada não chegar ao destino juntamente com o passageiro, impõe-se a imediata notificação à companhia aérea. A empresa transportadora terá o dever de restituir a bagagem extraviada no local indicado pelo passageiro no prazo de sete dias, em se tratando de voo doméstico, e em vinte e um dias, no caso de voo internacional.
Não sendo localizada a bagagem nos prazos estipulados, a companhia aérea deverá indenizar o passageiro até o limite de 1.131 (mil cento e trinta e um) Direitos Especiais de Saque – DES, montante que equivalia a aproximadamente R$ 8.700,00 (oito mil e setecentos reais) na data de elaboração do artigo original.
Caso o valor dos bens contidos na bagagem exceda a referida importância, o passageiro poderá providenciar junto à companhia aérea a denominada Declaração Especial de Valor – DEV. Este documento permite que o passageiro declare o valor dos bens despachados, possibilitando o ressarcimento integral do dano na eventualidade de extravio ou avaria da bagagem.
Considerações Finais e Recomendações
Em síntese conclusiva, a prestação de serviços de transporte aéreo encontra-se submetida às normas protetivas do consumidor e às regulamentações emanadas pela Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC. A responsabilidade das companhias aéreas, conforme explicitado, é de natureza objetiva, dispensando a demonstração de culpa para sua configuração. Na ocorrência de falha na prestação dos serviços – conforme as situações supra delineadas –, incumbe à empresa o dever de reparar os danos causados, seja por meio da assistência imediata aos passageiros, seja por eventual indenização decorrente de demanda judicial.
Para a salvaguarda e comprovação da falha na prestação dos serviços, recomenda-se aos passageiros a conservação de todos os documentos comprobatórios relacionados à viagem e aos eventuais prejuízos suportados. Incluem-se nesta categoria: bilhete de passagem, cartão de embarque, comprovantes de compra e recibos (referentes ao pagamento de passagens, taxas, upgrade, alimentação, transporte, hospedagem emergencial, perdas profissionais, multas por no-show em hotéis ou outros voos, etc.), bem como quaisquer comunicações recebidas da companhia (e-mails, SMS, notificações via aplicativo, etc.).
É igualmente aconselhável documentar os eventos por meio de registros fotográficos ou audiovisuais, solicitar informações por escrito e requerer declarações formais da companhia acerca das irregularidades (declaração de irregularidade de voo, de bagagem, de contingência, etc.), enfim, todo e qualquer elemento que possa corroborar a ocorrência da falha na execução do serviço.
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