A INCONSTITUCIONALIDADE DA ANTECIPAÇÃO DO ICMS NO ESTADODE SÃO PAULO: Análise à Luz do Tema 456 do STF

A INCONSTITUCIONALIDADE DA ANTECIPAÇÃO DO ICMS NO ESTADO DE SÃO PAULO: Análise à Luz do Tema 456 do STF

O cenário tributário brasileiro frequentemente se vê imerso em debates acerca da constitucionalidade de diversas exações fiscais. Um dos temas recorrentes e de grande relevância para os contribuintes paulistas é a exigência da antecipação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) na entrada de mercadorias no Estado de São Paulo, conforme previsto no artigo 426-A do Regulamento do ICMS (RICMS/00). Essa prática, que tem como objetivo acelerar a arrecadação, colide com os princípios da legalidade tributária e da irretroatividade, especialmente após o posicionamento do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do Tema 456 de repercussão geral. A controvérsia se aprofunda ao considerar a ausência de uma lei em sentido estrito para respaldar tal cobrança, suscitando discussões tanto na esfera judicial quanto na administrativa.

A exigência do ICMS antecipado no Estado de São Paulo está fundamentada no artigo 426-A do RICMS/00, que impõe ao contribuinte paulista o recolhimento antecipado do imposto devido pela própria operação de saída da mercadoria e, se for o caso, pelas operações subsequentes, no momento da entrada de produtos provenientes de outras unidades da Federação e sujeitos ao regime de substituição tributária.

Melhor explicando. Vamos supor que uma empresa localizada no Estado de São Paulo decide comprar autopeças para revenda de uma empresa localizada no Estado do Rio Grande do Sul. Considerando que atualmente não está vigente nenhum acordo entre os dois estados que obrigue o pagamento do ICMS-ST, a empresa vendedora não é obrigada ao pagamento da parcela do ICMS por substituição. Diante disso, o artigo 426-A da legislação paulista exige que a empresa compradora, localizada em São Paulo, recolha o ICMS próprio e por substituição tributária na entrada da mercadoria neste estado. Ou seja, a empresa paulista deve recolher o ICMS próprio e por ST das próximas etapas de forma individualizada, por guia de recolhimento especial, quando a mercadoria entrar neste estado, antecipando o tributo de novas operações que talvez ocorram no futuro com a revenda das mercadorias. O impacto no fluxo de caixa do adquirente paulista é extremamente agressivo.

Conforme adiantamos, o artigo 426-A integra o Regulamento do ICMS do Estado de São Paulo, criado pelo Decreto nº 45.490/00, promulgado pelo então Governador Mario Covas.

Como é de conhecimento comum, o decreto é um ato normativo emitido, não pelo Poder Legislativo, mas pelo Poder Executivo, no presente caso o Governador do Estado de São Paulo. Em matéria tributária, o decreto tem natureza limitada, com a função de regulamentar as diretrizes já previstas em lei.

A base legal que supostamente daria suporte a esse decreto seria o parágrafo 3º-A do artigo 2º da Lei Estadual nº 6.374/89, o qual estabelece de forma genérica que o pagamento antecipado do imposto pode ser exigido conforme disposto em regulamento. Contudo, é precisamente essa delegação genérica que se tornou o ponto central da discussão sobre a sua constitucionalidade.

O Supremo Tribunal Federal, ao examinar o Recurso Extraordinário nº 598.677/RS, que gerou o Tema 456 de repercussão geral, estabeleceu um entendimento fundamental para a matéria. Em 17 de agosto de 2020, a Suprema Corte considerou inconstitucional a antecipação do ICMS, desprovida de substituição tributária, quando instituída por decreto estadual sem a devida fundamentação em lei complementar.

A tese consolidada pelo Tribunal é explícita: “A antecipação, sem substituição tributária, do pagamento do ICMS para momento anterior à ocorrência do fato gerador necessita de lei em sentido estrito. A substituição tributária progressiva do ICMS reclama previsão em lei complementar federal.” (Recurso Extraordinário nº 598.677/RS, Tema 456/STF).

Essa deliberação enfatizou que qualquer modificação no critério temporal da hipótese de incidência do ICMS requer previsão legal específica, não sendo admissível sua instituição por ato infralegal ou por uma delegação genérica inserida em lei ordinária.

Embora a legislação analisada no Tema 456 do STF tenha sido do Rio Grande do Sul, a sua aplicação à legislação paulista, e particularmente ao artigo 426-A do RICMS/00, é uma decorrência lógica. 

A legislação dos dois estados é praticamente idêntica, com a mesma estrutura normativa, ou seja, com uma lei que traz uma faculdade genérica atribuída ao decreto para a criação da antecipação de pagamento.

O artigo 2º, §3º-A, da Lei Paulista nº 6.374/89, ao conceder ao Poder Executivo uma ampla margem para instituir a antecipação, replica o mesmo defeito de inconstitucionalidade apontado pelo STF. Dessa forma, a regulamentação via decreto, como o artigo 426-A do RICMS/00, carecendo de uma lei em sentido estrito que pormenorize todos os aspectos da antecipação, revela-se inconstitucional.

A Procuradoria Geral do Estado de São Paulo (PGE) e a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo (SEFAZ/SP) demonstraram reconhecimento dessa conexão ao participar como amicus curiae no julgamento do RE 598.677, manifestando em notas técnicas o “manifesto interesse” do Estado na causa e a perspectiva de que São Paulo sofreria “os efeitos jurídicos da decisão”. 

Os tribunais paulistas também vêm aplicando o entendimento do STF no Tema 456 para reconhecer a impossibilidade de antecipação do ICMS no Estado de São Paulo, o que, em verdade, não traz grande surpresa, uma vez que o entendimento da Corte Suprema é bastante claro e, como exposto, plenamente aplicável à legislação paulista.

O próprio Tribunal de Impostos e Taxas – TIT possui diversos precedentes neste sentido. Existem decisões proferidas pela 2ª[i], 4ª[ii], 6ª[iii] e 8ª[iv] Câmaras Julgadoras reconhecendo a aplicação do Tema 456 no Estado de São Paulo, tendo em vista que o julgamento se deu em sede de Repercussão Geral e teve o Estado de São Paulo integrando a discussão, o que seria suficiente para afastar a aplicação do caput do artigo 28 da Lei 13.457/2009.

Embora ainda não exista um pronunciamento definitivo da Câmara Superior do TIT, os precedentes das Câmaras Ordinárias são extremamente relevantes para direcionar um possível entendimento final do tribunal.

Não bastasse, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) também tem reiteradamente afastado a exigência de ICMS antecipado quando instituída por decreto estadual, reforçando a força da jurisprudência paulista em afastar a antecipação do ICMS dentro do estado.

Em diversas decisões, o TJ-SP tem sublinhado a necessidade de previsão em lei complementar ou em lei ordinária específica, bem como a violação ao princípio da legalidade tributária, aplicando as conclusões do Temas 456 do STF.

Todas as Câmaras de Direito Público com competência para julgamento de tributos estaduais (1ª a 13ª Câmara) possuem decisões favoráveis à aplicação do Tema 456 e à possibilidade de antecipação do ICMS em São Paulo.

São diversos precedentes da 1ª[v], 2ª[vi], 3ª[vii], 4ª[viii], 5ª[ix], 6ª[x], 7ª[xi], 8ª[xii], 9ª[xiii], 10ª[xiv], 11ª[xv], 12ª[xvi] e 13ª[xvii] Câmaras de Direito Público.

Em conclusão, a cobrança antecipada do ICMS no Estado de São Paulo, conforme delineada pelo artigo 426-A do RICMS/00, carece de um fundamento constitucional robusto. A ausência de uma lei em sentido estrito para instituir o fato gerador dessa antecipação, aliada à delegação genérica contida na Lei Estadual nº 6.374/89, contraria diretamente o que foi estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 456 de repercussão geral. A solidificação desse entendimento, presente tanto na jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo quanto nas decisões do Tribunal de Impostos e Taxas, reforça a ilegitimidade da cobrança e sublinha a imperatividade da observância do princípio da legalidade tributária.

Apesar da jurisprudência dominante, o Estado de São Paulo segue exigindo a antecipação do ICMS na entrada em casos específicos, de modo que cabe ao contribuinte, conhecedor da jurisprudência, questionar a exigência e estudar o melhor caminho para um planejamento tributário para a incidência mais justa e otimizada do tributo estadual.

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[i] AIIM 4147338-3, 2ª Câmara Julgadora, julgamento em 31.01.2023

[ii] AIIM 4147827-7, 4ª Câmara Julgadora, julgamento em 17.09.2025

[iii] AIIMs 4147659-1 e 4136136-2, 6ª Câmara Julgadora, julgamento em 09.05.2024 e 20.05.2021

[iv] AIIMs 4096233-7 e 4144843-1, 8ª Câmara Julgadora, julgamento em 15.12.2023 e 15.09.2023

[v] 1073087-41.2022.8.26.0053

[vi] 1033853-18.2023.8.26.0053

[vii] 1061285-80.2021.8.26.0053

[viii] 1057369-33.2024.8.26.0053 

[ix] 1021765-85.2021.8.26.0224

[x] 1015404-12.2023.8.26.0053

[xi] 1017980-74.2023.8.26.0506

[xii] 1025540-68.2023.8.26.0053

[xiii] 1046490-64.2024.8.26.0053 

[xiv] 1034991-03.2023.8.26.0576

[xv] 1008530-90.2021.8.26.0405

[xvi] 1014960-08.2025.8.26.0053 

[xvii] 1024356-60.2023.8.26.0576

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