1. Introdução
A constituição de uma empresa no Brasil é um processo que envolve múltiplas etapas formais, destinadas a assegurar que o exercício da atividade empresarial ocorra de forma lícita e regular.
Embora a burocracia brasileira tenha sido alvo de críticas por seu excesso e complexidade, as exigências de licenças, alvarás e autorizações desempenham papel fundamental na proteção de interesses coletivos, como a saúde pública, a preservação ambiental, a segurança urbana e a organização do espaço territorial.
Ao longo dos anos, o ordenamento jurídico brasileiro buscou equilibrar dois interesses aparentemente opostos: a necessidade de facilitar o ambiente de negócios e a manutenção de padrões regulatórios mínimos.
A promulgação da Lei da Liberdade Econômica, em 2019 (Lei 13.874/2019), foi um marco nessa tentativa de simplificação, mas não eliminou a obrigatoriedade de licenças para atividades que impliquem riscos relevantes.
2. Registros e Autorizações
O processo de constituição de uma empresa no Brasil envolve, em linhas gerais, as seguintes etapas/registros/autorizações:
a) Consulta de viabilidade
Realizada junto à prefeitura para verificar se a atividade é permitida no endereço pretendido, considerando o zoneamento urbano.
b) Registro na Junta Comercial ou Cartório de Registro Civil de Pessoas Jurídicas –
O registro dos atos constitutivos da pessoa jurídica deve ser realizado conforme a natureza jurídica (se de natureza empresária ou não). Sociedades empresárias (limitadas e sociedades anônimas) devem registrar seus atos na junta comercial competente. Já as sociedades não empresárias no cartório de registro civil de pessoas jurídicas (sociedades simples puras).
c) Inscrição no CNPJ
Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica é obtido junto à Receita Federal. Atualmente, o sistema das juntas comerciais é integrado aos sistemas da Receita Federal.
d) Inscrições estaduais e municipais – para fins tributários.
Em resumo, se a atividade a ser exercida compreender a prestação de serviços será necessário o registro municipal. Quando se tratar da circulação de mercadorias, como a compra e venda, será necessária a inscrição estatual. Se a empresa efetuar os dois tipos de atividades, serão necessários os dois tipos de inscrições como contribuinte.
e) Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB)
AVCB, Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros, é um documento emitido pelo Corpo de Bombeiros Militar de cada estado do Brasil. Esse documento atesta que o estabelecimento comercial ou industrial cumpre com as normas de segurança contra incêndios estabelecidas pela legislação local e nacional. Geralmente é um pré-requisito para a obtenção do alvará de funcionamento.
O AVCB é resultado de uma vistoria técnica realizada pelo Corpo de Bombeiros, na qual são verificadas as condições de segurança das edificações, instalações e equipamentos presentes no local.
A vistoria tem como objetivo assegurar que o estabelecimento está em conformidade com as normas de prevenção e combate a incêndios, garantindo, assim, a segurança das pessoas que frequentam o local.
f) Alvará de Funcionamento
Documento expedido pela prefeitura que autoriza o exercício da atividade econômica em determinado local, dependendo de requisitos como conformidade com o Plano Diretor, segurança e acessibilidade.
Geralmente, necessário o AVCB para a emissão deste documento
g) Licença Sanitária Municipal
Em resumo, é uma autorização emitida pela Vigilância Sanitária do município que permite o funcionamento de estabelecimentos e atividades que podem impactar a saúde pública.
Ela é exigida para garantir que o local cumpra normas sanitárias específicas, prevenindo riscos à saúde da população. Verifica-se condições de higiene, manipulação de insumos e segurança.
Exemplos de estabelecimentos: restaurantes, lanchonetes, padarias, hospitais, clínicas, laboratórios, farmácias e drogarias. A necessidade da licença sanitária também se estende a indústrias de alimentos, cosméticos, e estabelecimentos de estética, como salões de beleza
h) Licença Ambiental
Exigida para atividades que causem impacto ambiental. Obrigatória para empreendimentos que utilizem recursos naturais, sejam poluidores ou possam causar degradação ambiental.
Isso inclui atividades como agricultura, mineração, indústria, transporte, obras civis, e empreendimentos turísticos.
O licenciamento ambiental visa garantir que essas atividades sejam realizadas de forma sustentável, minimizando os impactos negativos no meio ambiente
Pode ser emitida em três fases: Licença Prévia, Licença de Instalação e Licença de Operação.
Às vezes, uma atividade precisa de licenças em mais de uma esfera.
A competência para a condução do licenciamento ambiental pode ser da União, estados ou municípios, dependendo da natureza e localização do empreendimento:
Município: licencia atividades de pequeno impacto local, como pequenas indústrias e obras urbanas.
Estado: licencia empreendimentos de impacto regional, como grandes indústrias e mineração.
União: licencia atividades com impacto nacional ou em áreas federais, como grandes hidrelétricas e áreas protegidas. O Ibama é o órgão responsável pelo licenciamento de empreendimentos e atividades de competência federal
i) Cumprimento de exigências trabalhistas e previdenciárias.
Necessário o registro da empresa no eSocial e na Caixa Econômica Federal para FGTS.
Em suma, se existe vínculo de emprego ou obrigação de recolher INSS/FGTS sobre remuneração, a empresa deve se registrar no eSocial.
Além disso, todo empregador que tenha empregados regidos pela CLT ou com obrigatoriedade de recolher FGTS (trabalhadores avulsos) necessitam do registro na Caixa Econômica Federal.
j) Autorizações Específicas
Algumas profissões e atividades regulamentadas só podem ser exercidas mediante inscrição e autorização de conselhos profissionais, que fiscalizam a prática e garantem o cumprimento de normas técnicas e éticas. Exemplos:
- CREA/CAU – para empresas de engenharia, agronomia, geologia e arquitetura;
- OAB – para sociedades de advogados;
- CRM/CRMV/CRBio – para clínicas médicas, consultórios veterinários e laboratórios de biologia;
- CRC – para escritórios de contabilidade.
k) Autorizações de Agências Reguladoras e Órgãos Setoriais
Para setores específicos, é necessária a obtenção de autorização ou licença junto a órgãos reguladores, que estabelecem padrões de qualidade, segurança e regularidade de mercado. Exemplos:
- ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) – exigida para empresas que produzem, distribuem ou comercializam medicamentos, cosméticos, alimentos e outros produtos sujeitos a vigilância sanitária;
- ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações) – necessária para empresas que prestam serviços de telecomunicações, como provedores de internet, operadoras de telefonia e TV por assinatura;
- MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) – registro e fiscalização de empresas que atuam com produtos de origem animal e vegetal, bebidas, fertilizantes e agrotóxicos;
- SUSEP (Superintendência de Seguros Privados) – autorização para seguradoras, corretoras de seguros e entidades de previdência complementar aberta;
- Banco Central do Brasil – autorização para instituições financeiras, sociedades de crédito, cooperativas de crédito e empresas que operam com câmbio.
3. Atividades de Baixo Risco e Desburocratização
A Lei de Liberdade Econômica estabeleceu que atividades de baixo risco não necessitam de licenças ou alvarás prévios para iniciar as operações. Contudo, continuam sujeitas a fiscalização e requisitos técnicos.
Essa classificação é definida pelo Comitê para Gestão da Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (CGSIM), em ato normativo que serve de referência para estados e municípios.
Exemplos comuns de baixo risco incluem: escritórios administrativos, empresas de consultoria, serviços de design, manutenção de computadores e desenvolvimento de software — desde que não envolvam manipulação de produtos perigosos, impactos ambientais relevantes ou atendimento que gere riscos à saúde pública.
4. Riscos da Irregularidade
Mesmo com os avanços trazidos pela Lei nº 13.874/2019 (Lei de Liberdade Econômica) — como a dispensa de alvarás e licenças para atividades de baixo risco —, as empresas continuam obrigadas a cumprir todas as exigências legais aplicáveis à sua atividade. A falta de licenças, registros ou autorizações obrigatórias para setores de médio e alto risco pode acarretar consequências graves.
As sanções administrativas mais comuns incluem:
- Multas fixadas conforme legislação municipal, estadual ou federal, que podem variar de valores módicos a quantias elevadas, especialmente em casos de reincidência.
- Interdição ou embargo das atividades, que impede a continuidade das operações até a regularização da situação.
No campo jurídico, a irregularidade pode gerar:
- Responsabilização civil, com indenização por danos causados a consumidores, ao meio ambiente ou a terceiros;
- Responsabilização criminal, em hipóteses como exercício ilegal de profissão, crimes ambientais, crimes contra a saúde pública ou contra a economia popular;
- Impedimento de participar de licitações públicas, uma vez que a regularidade fiscal, trabalhista e de funcionamento é requisito para habilitação em certames.
A Lei de Liberdade Econômica não afasta essas consequências. Pelo contrário, ela reforça o princípio da fiscalização posterior: o empresário pode iniciar rapidamente suas operações (quando de baixo risco), mas assume a responsabilidade de manter sua atividade em conformidade com todas as normas técnicas e setoriais.
Assim, eventuais irregularidades detectadas pelos órgãos competentes poderão resultar em sanções imediatas, independentemente do tempo de funcionamento da empresa.
A ausência das licenças necessárias pode gerar multas, interdição, responsabilização civil e criminal, e impedimento de participar de licitações.
5. Considerações Finais
Apesar do avanço na simplificação e digitalização de processos, a obtenção de licenças, alvarás e autorizações ainda é uma exigência fundamental.
O empreendedor deve consultar sempre um advogado para evitar riscos jurídicos e financeiros, assegurando assim, a credibilidade de seu negócio.